A virada paralímpica

Neste momento em que o Brasil engatou a marcha à ré de volta ao obscurantismo e à segregação, a Paralimpíada foi um bálsamo. Até então, nós, brasileiros, nunca tínhamos visto tão de perto essas competições que mostram o quanto é forte (e frágil ao mesmo tempo) o ser humano. Quando os jogos eram realizados em outros países, os noticiários paralímpicos eram sempre diminutos, com imagens curtas em comparação ao que recebíamos da badalada Olimpíada.

Desta vez foi diferente. Pra muitos foi difícil assistir no início mas quando a gente vê que são exatamente como nós, pronto. Foi tudo de perto e em detalhes. Isso certamente vai mudar muito as relações sociais dos portadores de necessidades especiais. Esses atletas formidáveis nos mostraram que não cabe o olhar piedoso pois são fortes o bastante para perseguir e alcançar objetivos que o estereótipo não previa. Imagino o bem que os novos ídolos do esporte fizeram às crianças especiais e mesmo as que gozam de plena saúde.

É uma pena que as redes de TV aberta ainda não tiveram coragem para dar às competições paralímpicas a cobertura ampla que elas mereciam. Foram disputas emocionantes que, no entanto, esbarraram no preconceito daqueles que têm a pretensão de advinhar o que o público quer ver na televisão. As arenas cheias, no entanto, provam que a Paralimpíada foi sim um espetáculo muito atraente.

A interação dos atletas com seus treinadores e auxiliares é um exemplo de convivência que todos nós deveríamos seguir em vez de condenar os especiais a viverem num mundo à parte. Vamos deixar que eles só não existam nas novelas.

Ver cegos fazendo gols de placa, cadeirantes caindo e levantando, fazendo cestas lindas, amputados dando saltos improváveis em distância e altura, nadadores velocíssimos batendo recordes mudará para sempre a relação e o olhar da sociedade sobre os diferentes. O meu pelo menos nunca mais será o mesmo. E quantas crianças terão agora estímulo para vencer suas limitações físicas ou motoras e descobrir um novo sentido para a vida.

Uma das imagens que mais me impressionaram foi a daquele atleta sem os dois braços que segura a raquete de tênis de mesa com a boca. Como joga o danado. E o charme da dançarina que não tem as pernas?

Se a TV aberta desviou o olhar dessas pessoas por puro preconceito, muitos de nós jamais farão isso novamente ao cruzar com um deles nas ruas. Não há mais espaço para piedade e auto-comiseração. Esmola nunca mais.


Foto: Marcelo Migliaccio


Comentários

  1. Durante as paraolimpíadas li um poema sbre esse tema:

    "Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

    "Louco" é quem não procura ser feliz".

    "Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria.

    "Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão.

    "Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

    "Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.

    "Diabético" é quem não consegue ser doce.

    "Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.

    Lindo, não ?
    Cury

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