Encenação sem graça

O futebol deixou de ser um jogo. Transformou-se num espetáculo eminentemente televisivo, quase uma obra de ficção. Atletas viraram atores. Fingem que correm, fingem que choram, dão beijo artístico no escudo de clubes nos quais não passam mais de seis meses, coincidentemente o mesmo período de duração de uma novela das oito. 

Como os piores canastrões, não tiram o olho do telão, sempre a conferir se seu desempenho dramatúrgico está convincente. Nunca está. Nas suas interpretações tacanhas, esses atores simulam também brigas em campo e tentam nos fazer crer que se importam até mesmo com o resultado das partidas. Na verdade, não estão nem aí, é tudo um grande faz de conta.

Dependentes que são da emissora que detém os direitos de transmissão, os clubes se transformaram em meros locadores de uniformes. Emprestam suas cores a empresas interessadas em exibir marcas no horário nobre. Como assalariadas que são, essas tradicionais agremiações aceitam o escalonamento salarial que lhes é imposto, como também os horários e locais determinados pelo patrão.

Jogo quarta-feira, dez da noite? Tudo bem, quando acabar é só desligar a TV e fechar os olhos. Fla-Flu no Rio Grande do Norte? O roteiro manda, cumpra-se.

Todos sabem que não há nada mais previsível que uma novela. No primeiro capítulo, o final já fica claro. Sabemos quem vai se dar bem e quem vai para o brejo. O futebol ficou assim. A TV decidiu pagar mais a alguns e menos a outros. No início do campeonato, sabemos que clubes disputarão o título e quais vão cair para a segunda divisão. O estereótipo é a tônica. Para alguns, só os papéis principais; para outros, os de subalternos _ empregadas domésticas e motoristas de madame. Os times que sobem para a série A quase sempre caem na temporada seguinte.

O público também mudou. Saiu o torcedor e entrou a claque. Uma claque branca, classe média. Parece até uma manifestação na orla de Ipanema. A arquibancada virou uma platéia de programa de auditório, cheia de modelos sonhando com uma aparição inesperada e rápida lá no telão. Fora dos estádios, brutamontes que nem sabem a escalação de seus times, se matam só por esporte. Estão na atração errada, deveriam ter comprado ingresso para o MMA.

E os estádios? Antes eram democráticos, com acomodações para todos, independentemente do poder aquisitivo. Hoje, foram reformados em obras bilionárias, pródigas em propinas. Viraram grandes estúdios de TV, quase sempre vazios, porque o futebol que encantou as massas era um esporte, não uma encenação fria e sem paixão protagonizada por mercenários.

Como toda boa novela, a pantomima futebolística está repleta de merchandising, nos figurinos (camisas gloriosas completamente descaracterizadas pelas publicidades) e nos cenários, cheios de painéis luminosos disputando a atenção da audiência com os patéticos ocupantes do palco.

Infelizmente, as coisas são assim. O mais fantástico dos esportes inventados pelo ser humano foi transformado num folhetim barato. 

Quando eu era pequeno, me apaixonei por um jogo que não existe mais. 

E, saibam, nunca gostei de novela.


No teatro em que se transformou o futebol, David Luis
é o maior dos atores, uma espécie de Robert de Niro




Comentários

  1. Lembro que futebol era uma paixão nacional, mas essa paixão acabou porque deu lugar a interesses que vai de encontro a qualquer paixão.

    Cury

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  2. Só não acaba a paixão de um Flamenguista.

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  3. E Portugal? Será que ali não houve emoção verdadeira? Quando a gente generaliza acaba por vilipendiar aqueles que mereceriam aplausos.

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    1. A emoção dos jogadores hoje é muito mais satisfação por uma glória pessoal, uma valorização na carreira, perspectiva de novos contratos.

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